19/03/2018 15h55

As memórias da Insurreição de Queimado no acervo do Arquivo Público

Nesta segunda-feira (19) a Insurreição de Queimado, ocorrida na então Freguesia da Serra, em 1849, completa 169 anos. Na época o frei italiano Gregório José Maria de Bene utilizou o trabalho de negros na construção de uma igreja dedicada a São José, afirmando auxiliá-los posteriormente na conquista da liberdade. O não cumprimento da promessa desencadeou a maior revolta de resistência à escravidão ocorrida no Estado. No acervo do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES) parte desta história pode ser conhecida e pesquisada nos jornais, portarias, ofícios, cartas e registros policiais.

Queimado: uma história de resistência

Na missa de inauguração do templo, os líderes dos escravos pretendiam, com o apoio do religioso, exigir dos presentes a prometida declaração de alforria. Para isso adentraram no edifício, provocando o abandono do pároco do altar e seu recolhimento em uma sala trancada. Aproveitando a comoção, os escravos percorreram as casas dos senhores e os obrigaram a assinar a liberdade. Em carta, enviada posteriormente ao Ministro de Estado dos Negócios do Império, o presidente da província, Antônio José Siqueira, relata o ocorrido: “Ontem pelas três horas, soube que um grupo armado de trinta e tantos escravos perpetrara o crime de Insurreição no Distrito de Queimado, três a quatro léguas distante desta capital, invadindo a Matriz, na ocasião em que se celebrava a Missa conventual e levantando gritos de ‘Viva a Liberdade’, queremos ‘Carta de Alforria’”.

 Ao tomar conhecimento da rebelião o presidente enviou imediatamente a Queimado o chefe de polícia acompanhado de uma força de 20 praças, que combateram os revoltosos com extrema violência. Após o julgamento, seis foram absolvidos, cinco condenados à morte por enforcamento e 25 ao açoite.  No jornal “Correio da Victoria”, da coleção “Imprensa Capixaba” do APEES, é possível perceber a grande repercussão que os acontecimentos tiveram. São muitas as notícias, com conotação negativa, que relatam o “absurdo” da luta dos escravos pela liberdade, conforme se observa no seguinte trecho:

“O Excelentíssimo Presidente da Província soube deste triste acontecimento e sem perda de tempo fez seguir para aquela povoação o chefe de polícia acompanhado de tropa convenientemente municiada. Estas providências fizeram com que ontem fosse batido dois grandes grupos daqueles criminosos que ou morreram ou fugiram em completa debandada. Em breve iremos anunciar ao público e aos nossos leitores, que a tranquilidade e segurança pública se acham inteiramente restabelecidas. Cautela e vigilância senhores fazendeiros! Para que no futuro não se repitam fatos semelhantes”.

Diversas outras páginas do periódico foram dedicadas a julgar o movimento e seus propósitos. Nesta nota percebe-se o espanto provocado pela ação: “A providência, que sempre nos tem protegido, acaba de livrar-nos do maior dos males, que nos podia oprimir, a Insurreição do Queimado. A audácia de alguns escravos, tanto da cidade quanto da roça, a maneira insolente como se portavam, os insultos que direcionavam aos homens livres, tudo denuncia a existência de um plano horroroso”.

O historiador Cléber Maciel, no livro “Negros no Espírito Santo”, destaca que já havia algum tempo que estavam sendo formados quilombos nas áreas próximas às fazendas e povoações da região, contudo o Governo vinha promovendo guerras constantes aos resistentes. “As revoltas dos escravos contra o sistema escravista devem ser vistas não só como revolta pela liberdade do corpo, mas também, e principalmente, pela liberdade da mente”. Segundo o autor a Insurreição marcou, por muitos anos, a vida dos capixabas do período “pelo fato de representar sempre uma mostra da latente violência contida nas relações escravistas e da pulsante e inquebrantável vontade de libertação que os escravos demonstravam, mesmo que para isso fossem levados à luta sangrenta” afirma.

Informações à imprensa:

Arquivo Público do Estado do Espírito Santo

Jória Motta Scolforo

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