04/10/2023 15h57

Funcultura: livro reúne quatro dramaturgias que dialogam com a história do Espírito Santo

O espetáculo “Memórias à venda” será apresentado nos dois eventos de lançamento (Foto: Íris Zanetti)

Compilação de quatro dramaturgias escritas por Nieve Matos, duas delas em coautoria, o livro “Ontem, hoje e amanhã – Narrativas capixabas” reúne tramas que dialogam entre si a partir da relação com a história do Espírito Santo. Teatralizadas e ficcionalizadas, essas narrativas estão repletas de musicalidade e rupturas épico-dramáticas – traços significativos nas obras da autora.

Escritas em salas de ensaio, muitas vezes em processos colaborativos, as dramaturgias reunidas no livro são: “Peroás e Caramurus – Uma saga da ilha” (2009), com Saulo Ribeiro; “Caburé” (2019); “Memórias à venda” (2016), com Didito Camillo; e “Tempos de Areia” (2013).

A obra será lançada neste sábado (07), às 15h, no Bar da Zilda, Centro de Vitória. Na ocasião, o Instituto Cultural Tambor de Raiz apresenta o espetáculo “Memórias à venda”. Na semana seguinte, dia 13, o lançamento acontece em Conceição da Barra, a partir das 18h, na Academia de Letras e Artes, também com apresentação daquele espetáculo.

Realizado com recursos do Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura), por meio do Edital 13/2021 – Setorial de Teatro, da Secretaria da Cultura (Secult), o projeto prevê a doação de 100 exemplares para o Instituto Cultural Tambor de Raiz, sediado em Conceição da Barra.

Dramaturga, diretora teatral e produtora cultural, Nieve Matos integra o grupo Repertório Artes Cênicas, sediado na Má Companhia, Centro de Vitória. De acordo com ela, a publicação representa um importante registro para o teatro e a literatura dramática local, preservando em livro textos que valorizam os patrimônios culturais imateriais e materiais do Espírito Santo.

“A primeira dramaturgia que escrevi, quando retornei ao estado depois de me formar em Artes Cênicas na Ufop, foi ‘Peroás e Caramurus – Uma saga da ilha’, em 2009. Foi também a peça que inaugurou o grupo Repertório Artes Cênicas. Não foi uma escolha pensada. No percurso da minha carreira, as histórias reais sempre alimentaram minhas produções”, conta Nieve Matos.

Ela cita como referências para a estrutura de seus textos o teatro épico de Bertolt Brecht e o Sistema Coringa, criado por Augusto Boal. Ambos os dramaturgos usaram fatos históricos como analogias para comentar momentos políticos do presente. “É basicamente o modo como também construo meus textos. Trago conhecimentos reais do passado para questionar o presente”, pontua.

Dramaturga e diretora teatral, Nieve Matos integra o grupo Repertório Artes Cênicas (Foto: Marcelo Braga)Dramaturga e diretora teatral, Nieve Matos integra o grupo Repertório Artes Cênicas (Foto: Marcelo Braga)

O texto de “Peroás e Caramurus” fundamentou-se na pesquisa em livros e artigos sobre a história do Espírito Santo, além de boletins de ocorrência da época, para a construção de personagens e cenas. Os demais textos que integram a coletânea resultam de pesquisas de campo na região do Sapê do Norte e entrevistas com moradores antigos, além de mestras e mestres da cultura popular, detentores da história e da tradição oral da região. 

Nieve Matos explica que cada texto apresenta uma perspectiva diferente, que foi mudando ao longo do tempo, de acordo com a formação do seu pensamento crítico. Em “Peroás e Caramurus”, por exemplo, ela afirma que a dramaturgia foi escrita com mais liberdade para imaginar as situações. “Tempos de areia”, por sua vez, que aborda o soterramento da Antiga Vila de Itaúnas, o ponto de vista foi o de embate entre a ciência e as narrativas religiosas e populares dos antigos moradores entrevistados, considerando a especulação imobiliária da vila nova e do processo de desertificação verde provocado na região pelo plantio de eucalipto. “É uma história narrada a partir do ponto de vista de um olhar estrangeiro”, ressalta a autora.

“Caburé” e “Memórias à venda” nasceram a partir de um convite de moradores da região do Sapê do Norte – que abrange Conceição da Barra e São Mateus –, para que Nieve Matos pudesse contar a história de seus ancestrais, escrevendo junto com eles, em processo colaborativo, uma narrativa sob o ponto de vista das personagens que lutaram contra o regime escravocrata (no caso de “Caburé”), outra focada na história das pessoas que fazem a tradicional Feira da Barra, com seu patrimônio material e imaterial (no caso de “Memórias à venda”).

A respeito do equilíbrio entre fato e ficção, a autora afirma que não existe uma receita para balancear esses dois elementos. “O que busco é o lugar de fala de cada personagem, dentro de seus contextos históricos. Em ‘Caburé’, nossas referências foram livros de uma série intitulada ‘História dos vencidos’. Já nas entrevistas que fizemos em campo, percebemos que foram décadas de lutas vencidas pelos quilombolas, então tratamos de contar a história dos vencedores, sempre em analogia com o presente, traço dos meus textos.”

Conheça as dramaturgias:

“Peroás e Caramurus – Uma saga da Ilha”

Escrito por Nieve Matos e Saulo Ribeiro, com composição musical e letra de Edivan Freitas, o espetáculo estreou em 2009 e contou com a colaboração dos atores Cleverson Guerrera, Fabrícia Dias, Luiza Vitorio, Max Goldner, Nícolas Corres Lopes, Vanessa Biffon, Roberta Portela e Josué Fernandes. 

Narra a história das irmandades devotas de São Benedito do Rosário dos Homens Pretos, Peroás e Caramurus, que, no século XIX, dividiram a ilha de Vitória em duas cores: azul e verde. Rivalidade que refletia também a sociedade da época: os Caramurus (peixes verdes, com aparência de cobra) eram representantes da elite branca escravagista, os Peroás (peixes azulados, que não tinham valor de mercado naquele tempo) eram compostos por mulheres e homens negros escravizados e libertos, que entraram para a história por “furtarem” – segundo os boletins de ocorrência da época – um santo preto, que tradicionalmente era, e ainda é, o santo de devoção das comunidades tradicionais capixabas.

“Peroás e Caramurus”, escrita com Saulo Ribeiro, estreou em 2009 (Foto: Dayane Simões)“Peroás e Caramurus”, escrita com Saulo Ribeiro, estreou em 2009 (Foto: Dayane Simões)

“Caburé”

Com texto de Nieve Matos e composição musical e letra de Elinho Guimarães, estreou em 2019. Sua criação se deu em processo colaborativo com atores e músicos do Instituto Cultural Tambor de Raiz: Danilo Lopes, Didito Camillo, Fabíola Guimarães e Fábio Cícero.

A narrativa é ambientada no Brasil escravocrata do século XIX, na região do Sapê do Norte, que foi a maior produtora de farinha de mandioca do país e palco de grandes lutas pela liberdade protagonizadas por mulheres e homens que promoveram o levante preto no norte do estado. Entre os personagens reais que lideraram a luta, está Negro Rugério, responsável pelo aquilombamento de Santana. Caburé é o nome que se dá ao mestiço de negro e indígena, também é como se chama o som de coruja feito com as mãos e a boca, tecnologia de comunicação usada entre os escravizados. Além disso, pode ser bolo de mandioca, ou indivíduo que só sai à noite.

“Caburé” é ambientada no Brasil escravocrata do século XIX (Foto: Íris Zanetti)“Caburé” é ambientada no Brasil escravocrata do século XIX (Foto: Íris Zanetti)

“Memórias à venda”

Escrita em coautoria com Didito Camillo, traz também música e letra de Elinho Guimarães. Fruto de uma pesquisa realizada na tradicional feira de Conceição da Barra, o espetáculo estreou em 2016 na beira do cais, naquele município, e teve colaboração da atriz Fabíola Guimarães.

“Memórias à venda” oferta ao público sabores e aromas das histórias que alimentam as comunidades quilombolas da região do Sapê do Norte: uma espada passada de pai para filho que traz em evidência uma guerra travada entre dois reinos, peleja resolvida à base de duas armas cortantes – a espada e a palavra afiada; a sabedoria do traquejo das ervas medicinais unida ao hábito de tomar um aperitivo, o que resulta em uma cômica garrafada; a trajetória da farinha de mandioca atrelada à luta pela liberdade e à resistência do povo preto.

“Tempos de areia”

Escrito por Nieve Matos, esse espetáculo foi criado em processo colaborativo com os integrantes do grupo Repertório Artes Cênicas – Antonio Apolinário, Nícolas Corres Lopes, Roberta Portela e Waltair de Souza Jr. –, com orientação de Tiche Vianna. Estreou na Má Companhia, sede do grupo, em 2013.

Apresenta um futuro distópico, em que personagens contam a história da antiga Vila de Itaúnas, soterrada por dunas entre os anos de 1940 e 1970, hoje sítio arqueológico pertencente ao Parque Natural de Itaúnas. Além das histórias e lendas da região, o espetáculo traz um olhar crítico sobre a indústria de celulose que invadiu terras indígenas e quilombolas e se apropriou delas, transformando boa parte da região norte do Espírito Santo em um deserto verde de eucalipto.

“Tempos de areia” é fruto de processo colaborativo com o Repertório Artes Cênicas (Foto: Luara Monteiro)“Tempos de areia” é fruto de processo colaborativo com o Repertório Artes Cênicas (Foto: Luara Monteiro)

Serviço:
Lançamento em Vitória
Quando: 07/10 (sábado)  
Horário: às 14h
Local: Bar da Zilda, Rua Maria Saraíva, 30, Centro, Vitória
Apresentação teatral: “Memórias à venda”, às 15h, com o Instituto Cultural Tambor de Raiz

Lançamento em Conceição da Barra
Quando: 13/10 (sexta-feira)
Horário: às 18h
Local: Academia de Letras e Artes de Conceição da Barra, Rua Treze de Maio, 279, Bugia, Conceição da Barra
Apresentação teatral: “Memórias à venda”, às 18h30, com o Instituto Cultural Tambor de Raiz

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