29/11/2010 22h25 - Atualizado em 16/01/2019 12h48

NA IMPRENSA NACIONAL - O governo também pode inovar

Revista Exame/BR
14 de novembro de 2010

O produtor rural Ricardo Sardi , de 73 anos, sempre fez questão de manter intactas as nascentes de sua propriedade de 120 hectares em Alfredo Chaves, no Espírito Santo. "Herdei as terras de meu pai, e ele me pediu isso. Nunca pensei em desmatar perto dos rios", diz Sardi. O compromisso foi finalmente recompensado. No ano passado, ele começou a receber dinheiro do governo capixaba para continuar protegendo 36 hectares tidos como críticos. O agricultor recebe cerca de 8 000 reais por ano, um reforço e tanto para a renda proveniente do cultivo de bananas no restante da propriedade, com a qual criou os seis filhos."Eu não esperava viver o suficiente para ver isso", diz. Sardi é um dos 130 beneficiados pelo programa de serviços ambientais do Espírito Santo.

Iniciativas semelhantes vêm sendo gradualmente adotadas no país e estão mudando a velha ideia de que a proteção ao meio ambiente é sinônimo de abnegação e sacrifício pessoal. "Havia o poluidor pagador e agora há também o oposto, que é o conservador recebedor", compara Mauricio Ruiz, secretário executivo do Instituto Terra de Preservação Ambiental, ONG com sede no Rio de Janeiro que defende a disseminação portodoopaísde programasderemuneração por serviços ambientais.

Os recursos do programa adotado no Espírito Santo vêm do Fundágua, fundo estadual mantido, principalmente, pelos royalties da exploração de petróleo e gás e pela compensação financeira paga pelas hidrelétricas aos estados e municípios que tiveram áreas alagadas. A maior parte dos 1200 hectares jábeneficiados está na bacia do rio Beneventes, região que serviu de laboratório para testar e ajustar o modelo. Agora, ele será expandido por todo o estado. "A ideia é pagar não apenas para proteger áreas intactas mas também para recuperar as degradadas", diz o diretor de recursos hídricos da Secretaria de Meio Ambiente do Espírito Santo, Fábio Ahnert.

O objetivo do programa é elevar o percentual de território coberto por vegetação nativa dos atuais 10% para 16% nos próximos dez anos.

O pagamento por serviços ambientais faz parte de uma nova geração de iniciativas governamentais na área de sustentabilidade. Não será possível enfrentar o desafio das mudanças climáticas sem uma ação decisiva do poder público, e aqui e ali começam a aparecer exemplos inovadores."Há diversas políticas que estão saindo do velho padrão de fiscalização pura e simples para encontrar uma forma mais madura de consciência ambiental", afirma o professor Elimar Pinheiro do Nascimento, do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB). Histórias como a do Espírito Santo, que coloca em prática uma ideia há muito tempo defendida por alguns ambientalistas a de que a natureza presta ser viços cujo valor pode ser calculado em dinheiro -, ainda são esparsas. Mas dão motivos para esperança: existem bons exemplos, e eles podem --e devem ser estudados e reproduzidos.

GESTÃO DE RESÍDUOS

As novas políticas incluem temas que permaneceram décadas sem receber atenção. Um exemplo é a gestão dos resíduos de construção e demolicão, um tradicional "patinho feio" na área de reciclagem. Na maior parte das cidades brasileiras, o cidadão que faz uma pequena reforma em casa e precisa se livrar de um armário velho ou de azulejos quebrados não tem para onde levar esse material. Muita gente imagina ter encontrado uma solução ao contratar um serviço de caçambas ou um carroceiro, mas em geral o que ocorre nesses casos é apenas pagar para se livrar de um problema sem de fato resolvê-lo, pois a destinação continuará provavelmente sendo inadequada. Em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, não era diferente, até a prefeitura da cidade estruturar um programa de gerenciamento de entulhos. O trabalho começou há 12 anos e desde então vem sendo aperfeiçoado pelas diferentes gestões municipais."A continuidade é fundamental em projetos como esse, que depende acima de tudo da conscientização e da adesão gradual da população", diz o secretário de Meio Ambiente e Urbanismo, José Carlos de Lima Bueno.

O primeiro passo foi entender o tamanho do problema: um levantamento detalhado identificou exatos 1431 locais usados irregularmente como pontos de descarte de entulho. Outra etapa foi cadastrar todas as empresas de caçamba e os carroceiros da cidade, incentivando a criação de associações para estabelecer um padrão de serviços e de preços. Enquanto esses processos evoluíam, a prefeitura criava campanhas para convencer a população a utilizar os serviços autorizados, desenvolvia mecanismos para identificar os infratores (incluindo um número de telefone para denúncias) e estabelecia punições para quem insistisse em depositar entulho em locais inadequados - advertência no primeiro flagrante e multa de 1700 reais em caso de reincidência, dobrando a partir daí em cada nova ocasião. "Para desenvolver programas eficazes. a fórmula é articular educação e repressão", diz o professor Nascimento, da UnB.

Foram criadas cinco áreas para descarte de grandes quantidades de entulho por parte das construtoras e 17 pontos de recepção para pequenos volumes de resíduos. Cada um desses pontos tem funcionários treinados para receber e separar o material. Após a retirada das partes que não podem ser moídas, o produto resultante é aproveitado pela prefeitura na recuperação de estradas e outras finalidades específicas, como construção de tampas de bueiro e guias de meio-fio. A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, recentemente divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), dá uma boa noção de quanto o caso ainda é exceção.

Dos 5564 municípios brasileiros só 124 fazem triagem dos resíduos de construção e demolição reaproveitáveis. Não mais do que 14 chegam à etapa seguinte, a trituração. A próxima fase do projeto de São José do Rio Preto é tentar convencer a iniciativa privada de que vale a pena investir no programa."Em cidades grandes e médias, certamente é possível extrair um bom lucro dos resíduos de construção", diz o professor Vanderley John, especialista em reciclagem de material de construção do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Universidade de São Paulo.

Um dos pontos cruciais para o sucesso das novas políticas de sustentabilidade é torná-las conhecidas. Desde que viram na TV um programa sobre Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), os professores de educação física Fernando e Christiane Teixeira colocaram na cabeça que um dia teriam a própria reserva. Certo dia, souberam que havia um terreno à venda na zona rural de Angelina, a 70 quilâmetros de Florianópolis, onde viviam na época. Chegando ao local, o casal ficou maravilhado: 28 hectares de Mata Atlântica intactos. O proprietário era um agricultor que precisava de dinheiro. "Se não conseguisse vender, ele planejava transformar a área em plantação de pinus, como já havia sido feito em outros terrenos da região", afirma Fernando. O ano era 2002, e o casal pagou 23000 reais pela área. O passo seguinte foi iniciar no Ibama o processo de criação da reserva.

A área de mata nativa do casal foi batizada de Rio das Lontras e é uma das 930 RPPNs criadas no Brasil desde 2000, quando a modalidade foi instituída pelo governo federal. Um dos benefícios oferecidos é a isenção de imposto rural. A área total protegida até o momento é de 670 000 hectares, o equivalente a quase cinco cidades de São Paulo. Entre as RPPNs existentes há diversas iniciativas familiares, mas a maior parte foi criada por empresas. "Elas têm mais dinheiro e por isso conseguem estabelecer sistemas de proteção mais eficientes", diz Luiz Paulo Pinto, diretor do Programa Mata Atlântica da ONG conservação Internacional. A maior proprietária de RPPNs é a Vale - são sete áreas já estabelecidas e outras cinco em processo de instalação, todas em Minas Gerais, totalizando 12 400 hectares.

O orçamento destinado pela empresa às RPPNs em 2011 será de 1,5 milhão de reais. Além da manutenção corriqueira, há vigilância em tempo integral, um trabalho de prevenção a incêndios e muitos investimentos em pesquisas. Já foram recolhidas matrizes de 130 espécies vegetais para o banco de germoplasma mantido pelo Centro de Excelência em Bioinformática, de Belo Horizonte. "Cada etapa é documentada para que o processo seja reproduzido no futuro, assegurando a permanência de espécies ameaçadas de extinção", afirma o especialista em recuperação de áreas degradadas da Vale, Salim Jordy. Uma das marcas das novas políticas governamentais na área de sustentabilidade é, a exemplo do que ocorre com as RPPNs, conquistar a adesão da iniciativa privada e do cidadão comum. Trata-se de um grande avanço em comparação com o tempo em que o poder público tentava abraçar o mundo - e não conseguia.

Políticas que funcionam

Boas iniciativas públicas na área de sustentabilidade começam a se reproduzir pelo país. Conheça algumas experiências

1 - Pagamento por serviços ambientais
O princípio é inverter a velha lógica: em vez de multar quem destrói, remunera-se quem protege o meio ambiente.
Exemplo o governo do Espírito Santo paga 130 produtores rurais para conservar 1200 hectares de mata nativa próximos a nascentes de rios. No final do ano, cada agricultor recebe cerca de 250 reais por hectare protegido.

2 - Gestão de resíduos de construção
Dar a correta destinação a resíduos de construções e demolições e ainda lucrar com seu reaproveitamento.
Exemplo a prefeitura de são José do Rio Preto (SP) cadastrou as caçambas e carroças, criou pontos de descarte de entulho e está reciclando o material recolhido para produzir tampas de bueiro e guias de meio-fio.
 
3 - Reservas particulares
Surgem novos mecanismos para incentivar a transformação de terras privadas de empresas e cidadãos em áreas de proteção ambiental. Exemplo com base na legislação federal, a Vale criou sete áreas de proteção em Minas Gerais e está oficializando outras cinco, num total de 12400 hectares. A empresa investe para proteger as reservas e fica isenta do imposto rural.

Desde 2000, 930 reservas particulares foram criadas no Brasil totalizando uma área equivalente a quase cinco cidades de São Paulo

Há políticas que estão saindo do velho padrão de fiscalização pura e simples para encontrar uma forma mais madura de consciência ambiental



Informações à Imprensa:
Assessoria de Comunicação – Sejus
(27) 3636-5732
Rafael Porto
(27) 9955-5426
rafael.porto@sejus.es.gov.br
Rhuana Ribeiro Albuquerque
(27) 9933-8195
rhuana.albuquerque@sejus.es.gov.br
2015 / Desenvolvido pelo PRODEST utilizando o software livre Orchard