O voto feminino e a conquista de direitos na imprensa capixaba
No dia 8 de agosto de 1906 o “Jornal Official”, que circulava na cidade de Vitória, trazia a seguinte nota: “A campanha a favor do voto feminino aumenta de intensidade na Inglaterra, onde as damas que evocaram a si a direção do movimento decidiram abandonar a atitude passiva até aqui mantidas, para dar verdadeiras batalhas campais ao inimigo”. Trata-se da primeira menção na imprensa local sobre a luta das mulheres pela participação nas eleições, tema que gerou, posteriormente, debates calorosos. Parte dessa história pode ser conhecida e pesquisada nos periódicos do acervo do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES).
Os meios de comunicação no Brasil participaram intensamente das discussões que envolveram o processo histórico de conquista ao voto, principalmente após o Estado do Rio Grande do Norte inserir na sua constituição o direito das mulheres à participação eleitoral. O jornal capixaba “O Diário da Manhã”, por exemplo, trazia em várias das suas edições informações sobre os trâmites legais e os posicionamentos dos legisladores sobre a causa. A publicação mostrava-se contrária às conquistas femininas: “Não se deve alimentar a menor parcela de admiração pelo advento oficial da mulher ao mundo político”, citava.
Na edição de 23 de dezembro de 1921, o periódico expunha as razões do deputado Heitor de Souza, que refutou na Câmara o pleito feminino. Segundo o redator, as palavras do parlamentar foram expostas com talento, elegância e elevado conceito. “Não se pode passar despercebido o brilhante parecer do deputado Heitor de Souza, líder da bancada do Espírito Santo sobre a questão do voto das mulheres. Questão que envolve graves interesses morais. Ela demanda e requer muita serenidade para ser resolvida pela profunda alteração que criaria nos nossos hábitos. Somos levados a reconhecer que o nível intelectual da mulher brasileira não está em condições de justificar medida de tão grande alcance social, que viria alterar profundamente os costumes patriarcais da nossa família, convindo, esperar”, argumentou o articulista.
A matéria trazia ainda trechos do discurso proferido pelo político: “A educação difere para os dois sexos, as influências hereditárias têm por isso mesmo fixado no homem e na mulher aptidões correspondentes a sua finalidade social assim diferenciada. Fazer entrar hoje as mulheres na vida pública sem ter em conta esta bifurcação secular seria introduzir, sem nenhuma utilidade, elementos de perturbação da ordem das sociedades modernas já em demasia complicada por outros problemas”.
As vozes das mulheres pelo direito ao voto
Rebatendo os discursos a elas direcionados, nos quais as suas aptidões eram constantemente questionadas, começaram a surgir na imprensa do Estado, na década de 1930, os primeiros textos escritos e assinados por mulheres, tendo como principal espaço a revista “Vida Capichaba”, na qual o tema do voto feminino foi amplamente discutido. A historiadora Lívia Rangel afirma que essas escritoras - cujas ideias ousadas para a época chocaram e proporcionaram transformações - tinham em comum o modo atípico como desafiaram o contexto, contribuindo para a gradativa redefinição das relações de gênero, dentro da nova sociedade urbanizada e no interior da própria instituição familiar. Segundo Lívia, nas páginas da “Vida Capichaba”, as mulheres encontraram condições propícias para expressar as suas opiniões e fortalecer uma posição crítica e autônoma.
Dentre elas, destaca-se pela trajetória Lydia Besouchet. Em uma época na qual o matrimônio e a maternidade eram considerados, muitas vezes, a única destinação, ela se dispôs a refletir e criticar as condições de submissão e o desapontamento com a falta de articulação das brasileiras em prol de um maior espaço, o que ela considerava um direito legítimo. No artigo “Feminismo”, publicado em 1932, Lydia Besouchet abordava as ações do Governo para permitir o voto e constatava, com tristeza e espanto, a apatia com a qual a novidade foi recebida pelas mulheres, acostumadas a se perceberem inferiorizadas e à sombra de seus pais e maridos.
Para ela, o direito ao voto “correspondia a uma necessidade consciente, exigido por quem tem o direito de exigir”, porém no Brasil, o que ocorria, era um caso surpreendente, no qual as resoluções vinham de cima para baixo, seguindo as motivações internacionais, e não por pressões daquelas que deveriam reivindicar. Besouchet expunha a sua visão sobre o fato: “Votar! A mulher brasileira vive ainda na pior das escravidões: aquela que desconhece a sua qualidade de escrava”.
Lívia Rangel destaca que no Dia Internacional da Mulher, comemorado nesta quinta-feira (08), é fundamental refletir as inúmeras dificuldades enfrentadas pelas pioneiras na busca por direitos, sendo o voto um instrumento de caráter vital nos projetos de emancipação. “A formação embrionária de uma consciência que passava a detectar na questão do voto o reflexo das divisões e das desigualdades de gênero. Se essa consciência não alcançou plenitude, ao menos contribuiu para que algumas mulheres começassem a enxergar na participação política feminina algo mais do que o simples ato de votar. Uma vez investidas de tal direito, confabulavam que poderiam começar a influir na elaboração das leis, tornando-as mais adequadas as suas aspirações” afirma.
Informações à imprensa:
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo
Jória Motta Scolforo
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