21/08/2017 12h21

SAIU NA IMPRENSA NACIONAL: Para Hartung, reforma é urgente porque Brasil vive "tempo de guerra" - Valor Econômico

Matéria produzida pelo jornal Valor Econômico. Por César Felício

Em trânsito do PMDB para o PSDB ou o DEM, o economista Paulo Hartung, governador do Espírito Santo, se propõe a participar de uma ofensiva final pela reforma da Previdência ainda no governo Temer. Para Hartung, há vários mitos que ajudam a travar a tramitação da emenda, que está parada na Câmara dos Deputados há três meses, em decorrência da crise provocada pela delação do empresário Joesley Batista, que colocou em xeque a continuidade do governo.

Para Hartung, estão subestimando o presidente, ao confundirem a dificuldade de Temer em falar para fora do mundo oficial de Brasília, em razão da sua altíssima impopularidade, com a tarefa de articulação no Congresso. O governador coloca o presidente no centro do processo para viabilizar a tramitação da emenda no Legislativo.

Segundo o governador, a ampla rejeição da sociedade à reforma pode ser desmontada, mesmo que a tramitação da emenda não se conclua este ano e avance nos primeiros meses de 2018. De acordo com Hartung, as consequências da gravidade da crise fiscal ainda não foram comunicadas com eficiência à opinião pública, e aí sim esta seria uma tarefa compartilhada pela classe política alinhada à tese como um todo.


Hartung minimiza neste sentido a capacidade dos adversários da reforma de constranger a base política do governo. Para ele, dificilmente haverá retaliação do eleitor ao parlamentar que aprovar a reforma da Previdência.

Hartung se define como social-democrata em questões sociais e liberal do ponto de vista da economia. Apego a um partido não é seu forte. Começou a vida política no PMDB, mas já pertenceu ao PTB, PPS, PSDB e PSB, antes de retornar à sua sigla de origem, de onde promete sair em breve. A seguir alguns trechos da entrevista, realizada no Palácio Anchieta dia 16.

Valor: A ampliação da previsão de déficit na meta fiscal permite a redução do contingenciamento. Isto abriu o caminho para retomar a tramitação da reforma previdenciária no Congresso?

Paulo Hartung: Primeiro o Congresso tem que discutir a nova meta, evidentemente que eu não desejaria como cidadão e como governador uma nova meta. A meta anterior já representava um déficit monumental para a economia que o nosso país tem. E por que teve que mudar a meta? porque a economia não reagiu como as autoridades federais achavam que ela ia reagir e consequentemente você teve frustração de receita. É muito ruim para o País continuar gastando acima do que tem. A população brasileira precisa se apropriar da informação de que o país gasta mais do que tem em um volume que é desorganizador da sociedade. Eu acho que com meta, sem meta, com uma mudança de meta ou não, nós só temos o caminho de reformar o nosso país. Eu tenho pedido voto aos parlamentares. Ou apóia isso ou a cada ano teremos saudade do ano anterior. A situação é gravíssima. Estamos em guerra.

"O presidente tem capacidade de articulação extraordinária, ninguém vai suprir este papel"

Valor: Mas o presidente Michel Temer, com a crise política que atravessa, não perdeu a legitimidade para conduzir este debate?

Hartung: No presidencialismo em geral, e no presidencialismo brasileiro em particular, com este formato da Constituição em nosso País, o presidente tem uma capacidade de articulação extraordinária, independente da conjuntura política e das avaliações daqui ou acolá. O presidente tem capacidade junto às instituições públicas, de maneira geral, particularmente com o Congresso Nacional. Ninguém vai suprir este papel. Ninguém. Acho que muitos dos meus companheiros governadores e lideranças da sociedade tem consciência dessa realidade e sabe que o País não volta a ficar de pé com este sistema de previdência público e privado. Todos temos papel a cumprir

Valor: Temer é frequentemente descrito como um governante em estado terminal, sem capital político. Estão o subestimando?

Hartung: Muitas vezes você tem algumas análises que confundem a capacidade de um presidente no Brasil de dialogar e mobilizar a sociedade, de motivá-la, com a capacidade do presidente de articulação no Congresso, na esfera institucional da política. Muitas vezes há um presidente com uma dessas capacidades, mas sem a outra. São coisas absolutamente distintas. O presidente em um presidencialismo como o brasileiro tem muita força, muito espaço de articulação junto ao Congresso Nacional. O que é um trabalho de todos nós é conversar com a sociedade. Olhar no branco do olho de cada um no Brasil, falar que a situação é gravíssima e mostrar uma agenda que conserte o Brasil. Nós precisamos do exercício de uma liderança coletiva e responsável para vacinar o país de um pescador de águas turvas que venha prometer soluções fáceis para problemas absolutamente complexos.

Valor: Em momento algum a reforma teve os 308 votos nas projeções feitas no Congresso. Esta resistência se deve apenas à impopularidade natural do tema?

Hartung: Discordo que o panorama fosse esse antes da delação da JBS [no dia 17 de maio]. Houve um momento em que se falava que o número para aprovação da reforma tinha sido atingido. Tinha alguma coisa, inclusive com margem. Superava um pouquinho e dava segurança. Estou falando isso para não criarmos mitos. É claro que é possível ter esta maioria na Câmara, desde que a gente construa uma narrativa. Os defensores dos privilégios são muito organizados, os grupos de pressão sempre tiveram essa força. Fizeram narrativas bem montadas. Mas o debate público não está mais interditado no Brasil. Tem um confronto de narrativas que pode ser feito. O congressista quando chega na base vai ser pressionado, e daí? não é moleza. Se fosse moleza, já tinha sido feito O que precisamos é de fazer uma narrativa do interesse nacional.

Valor: Limitar a reforma da previdência apenas ao seu ponto mais importante, que é o da criação de um limite de idade para as aposentadorias está de bom tamanho?

Hartung: O limite de idade é um grande passo. Ele coloca um debate importante no Brasil. A população está vivendo mais e melhor, pelos avanços da ciência, pela melhoria das condições de vida e assim por diante. Nós não temos como continuar aposentando profissionais com 50 anos de idade. Não tem sustentação este sistema previdenciário. Não ter dinheiro vai cortar aposentadoria dos atuais aposentados e dos futuros. A gente olha o que aconteceu em Portugal e na Grécia.

Valor: O senhor não receia que o Congresso construa uma solução que só resolve o problema da União e deixa os Estados ao relento?

Hartung: Uma vez aprovando lá, fica mais fácil mexer aqui [no Espírito Santo]. Pelo que está em discussão, lá [em Brasília] estão incluindo os servidores estaduais e os municipais. Nós vamos ter um prazo para aderir as reformas. Você criando a norma federal, cria um balizamento para fazer a discussão em todas as regiões. A norma de lá nos dá seis meses para aderir, e é uma boa norma.

"A gente não pode se iludir. Uma retomada agora no País é de curta duração, com os problemas que temos"

Valor: Há clima para aprovar a adaptação da reforma no Espírito Santo? Passa na Assembleia em pleno ano eleitoral?

Hartung: Eu vou dizer à sociedade capixaba e à Assembleia da necessidade de se aprovar, se for necessário. O papel da liderança não é ficar ao sabor da correnteza, se ela claramente está levando para o despenhadeiro. O papel da liderança é falar a verdade para a população. Submeter isso ao calendário eleitoral vale em tempos de paz, não vale em tempos de guerra. Estamos com um nível de desorganização na sociedade brasileira brutal. Olhe os problemas fiscais que estamos vendo nos Estados. Esta situação é que tem que nos motivar a mudar este quadro.

Valor: A situação se agravou no Espírito Santo?

Hartung: A folha de pagamento de ativos e inativos subiu 65% entre 2010 e 2014, quando estive fora do governo, enquanto a inflação foi de 27%. Não tivemos espaço para conceder nenhum tipo de recomposição salarial. Estamos desde então com o sinal amarelo na Lei de Responsabilidade Fiscal. É um sinal para se parar o carro, o próximo é o sinal vermelho. Aqui no Espírito Santo estamos com todas as contas em dia. A Justiça tinha desenquadrado e voltou a se enquadrar na lei da responsabilidade fiscal. O Ministério Público está dentro do limite. Todas as instituições públicas estão. A nossa folha de pagamentos está sendo paga no mês trabalhado. Conseguimos instituir agora o auxílio-alimentação, com a folga que tivemos.

Valor: O trauma da greve violenta da polícia, em fevereiro, que durou três semanas, não comprovou que o ajuste fiscal no Estado chegou ao seu limite?

Hartung: Não. Estamos fazendo, temos um comitê de gastos, revisitando todos os contratos permanentemente. É um mito, é fantasioso, é lenda, achar que se chegou a um limite que não pode gastar mais. Custeio tem que olhar todo dia. Este benefício do auxílio-alimentação que criamos agora é universal, não está complementando a uma ou a outra categoria, mas só damos passo do tamanho da nossa perna. O que estamos fazendo é compatível com a nossa capacidade de pagamento. Vamos continuar com o controle absoluto da despesa. Eu acho que o pior da crise nós já passamos, mas não saímos do deserto. Tivemos um pequeno sinal de melhora na receita no Estado, mas a gente não pode se iludir com isso. O país saindo do pior da crise agora não pode se acomodar.

Valor: Então em sua opinião a recuperação no País não permite muito otimismo

Hartung: É preciso ter clareza do seguinte: o país voltando a crescer um pouquinho agora não pode se acomodar. Este crescimento que pode voltar agora é um voozinho de galinha e precisamos falar isso para a população. Para que isso seja minimamente sustentável, nós precisamos fazer as reformas estruturadoras para a nossa sociedade. A gente não pode, por causa de uma reação tímida, se iludir, repito. Uma retomada agora no país é uma retomada de curta duração, com os problemas estruturais que nós temos. Precisamos enfrentá-los, modernizando o País.

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