Uma pesquisa encomendada pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran|ES) sobre o comportamento dos motoristas capixabas no trânsito foi transformada em livro pelo professor, sociólogo e escritor Roberto DaMatta, que estudou por meio dos dados da pesquisa as relações de poder nas vias urbanas e as raízes da desobediência às leis de trânsito no Brasil.

O lançamento nacional do livro “Fé em Deus e Pé na Tabua” ocorreu na noite desta quarta-feira (10), no Palácio Anchieta, durante solenidade que contou com a presença de várias autoridades. Além do próprio autor, participaram do evento o governador Paulo Hartung; os coautores de publicação João Gualberto Vasconcellos e Ricardo Pandolfi; o diretor da editora Rocco, Paulo Rocco; o diretor geral do Detran|ES, Marcelo Ferraz.

O governador afirmou que melhorar a mobilidade urbana é um enorme desafio e que estudos como o do sociólogo são de extrema importância para os governantes. “Temos de aprofundar cada vez mais pesquisas e estudos que versam sobre esse tema tão complexo. Como bem falou o professor Roberto Da Matta, não é possível trabalhar com base em sintomas. É preciso conhecer a raiz desses problemas, para que possamos buscar soluções realmente eficazes e que beneficiem o conjunto da sociedade”, afirmou.

Hartung defendeu a prevalência do transporte coletivo sobre o individual e ressaltou que para que isso ocorra de fato é necessário que haja uma mudança de mentalidade. “Temos de ocupar os espaços públicos de forma democrática. Um de nossos desafios é superar a cultura do individualismo exacerbado que existe em nossa sociedade, onde o ter muitas vezes se sobrepõe ao ser”, destacou. 

Durante a cerimônia de lançamento, Ferraz disse que o Estado está no caminho certo para as soluções de melhoria no trânsito e que os desafios ainda são muitos. “Buscamos um trânsito mais igualitário e seguro, onde haja respeito mútuo entre todos. Em busca destas soluções, convidamos um dos melhores especialistas sobre o comportamento do brasileiro, que é o professor Roberto DaMatta”, disse.

Hierarquia

O livro retrata a rua como um ambiente de inversão da democracia, um espaço injusto e cruel onde o mais forte e poderoso – neste caso, os condutores – oprime a maioria. Os pedestres, por sua vez, são os mais subjugados e tomados como peões, ou inferiores.

Segundo Roberto DaMatta, estudar o trânsito no Espírito Santo foi uma oportunidade única de discutir a questão da igualdade no Brasil.

“Pela primeira vez na minha vida eu tive a oportunidade de estudar este tema tão importante, que é o trânsito. Nós andamos por várias cidades do Estado, colocando questões de relevância para as pessoas que fazem parte do cotidiano delas. O que percebemos é que o trânsito é um lugar de individualismo, onde nós estamos sempre certos e o outro errado”, frisou o sociólogo e escritor.

O levantamento, encomendado à Futura Consultoria e Pesquisa, teve início em 2007 e foi analisado pelo sociólogo a pedido do Detran/ES, que o contratou para o projeto “Igualdade no Trânsito”. Este, tinha o objetivo de melhorar a relação entre os motoristas capixabas, promovendo a redução de acidentes.

Programa estadual

A partir de suas constatações, foi iniciado um programa mais amplo, envolvendo a Secretaria de Estado da Educação (Sedu), e que abrangesse a educação de trânsito nas escolas públicas estaduais.

De acordo com o que foi verificado na pesquisa, não é fácil mudar os hábitos das pessoas adultas, por isso a importância de fazer com que desde cedo o ser humano assimile as leis, tornando-as parte de suas vidas.

O programa ‘Educação e Cidadania em Trânsito’ consiste em elaborar métodos de ensino e materiais didáticos, sugeridos pelos próprios professores, pedagogos e alunos para serem utilizados na rede pública estadual. Todo este trabalho já esta sendo feito e é orientado por Roberto DaMatta.

A intenção é levar o assunto ‘trânsito’ para dentro da rede de ensino estadual, fazendo com que crianças e jovens aprendam desde cedo sobre a importância de se respeitar as leis de trânsito.

Na última fase do programa, será produzido um material didático para aplicação em sala de aula. Esses produtos poderão ser livros, apostilas, softwares, filmes, e outros, que serão decididos de acordo com as contribuições dos colaboradores da rede de ensino estadual. A meta é iniciar o próximo ano letivo com o material pronto e os professores envolvidos.

Roberto DaMatta

Roberto DaMatta é o quarto autor mais citado em trabalhos acadêmicos em Ciências Sociais no Brasil, atrás apenas de três pilares da sociologia: Karl Marx, Max Weber e Pierre Bourdieu. Sua obra ultrapassa a fronteira da antropologia ao interpretar o Brasil em seus dilemas e ambiguidades.

A partir da festa mais popular da cultura brasileira – o Carnaval – DaMatta deixa de lado o Brasil oficial e lança um novo olhar sobre o País, que põe em foco elementos geralmente deixados à margem nos estudos antropológicos.

Nascido em Niterói (RJ), esteve durante a década de 1960 na Universidade de Harvard (EUA), onde concluiu mestrado e doutorado. Voltou ao Brasil em 1970. Autor de 11 livros e de mais de uma centena de artigos científicos, atualmente ocupa a cátedra Reverendo Edmund P. Joyce de Antropologia da Universidade de Notre Dame, em Indiana (EUA), onde leciona desde 1987. DaMatta vive entre os EUA e Niterói, onde passa sistematicamente alguns meses por ano.

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(Fotos: Thiago Guimarães/Secom)